quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Amadores - Diário de bordo - 6º ensaio (20/09)

Por Luiz Fernando Vaz

Impossibilitados de usar a sala de ensaio adequadamente tivemos um excelente ensaio de mesa. Mas lemos apenas uma cena. Interrompi o ensaio pra desfazer um equívoco dos atores: as personagens estão sendo tratados como objetos distantes, como gélidos e impassíveis diálogos. Todo tipo de julgamento vêm cedo demais sobre cada um deles: uma é "sem sal", outra é "boba"

Ora... Não é esse o nosso trabalho como artistas de teatro dar vida? Mas como dar vida se não se permitimos, nem por um instante a se colocar o lugar daquelas pobres e ridículas personagens? Não é julgando elas como se fôssemos super-homens e super-mulheres que vamos chegar a emocionar a platéia; muito menos a provocar nelas a identificação e a reflexão pelo senso do ridículo! A quem cabe o julgamento das personagens? Como a platéia vai julgar, ou falando menos juridicamente, como vai poder reagir a personagens que desde o início são vistos por nós de forma bidimensional - maus de um lado, bons de outro -, sem um pingo das nuances ricas em qualquer ser humano na face deste planeta? Não que a reação ao arquétipo seja inválida, mas com certeza "Amadores" não é uma peça pedagógica Ridendo Castigat Mores clássica...

O texto do Pedro não apresenta tipos humanos clássicos e facilmente identificáveis, arquétipos. Não há putas, nem bandidos, nem heróis, nem mocinhos. Pode parecer, mas não há... Gostaria que olhássemos para eles mais de perto, bem de perto mesmo e víssemos que por trás da banalidade da existência de cada um deles há toda aquela complexidade narcisista que conferimos a cada um de nós: a encantadoramente sublime e a nobremente ridícula - no mínimo! Ao falar de nós mesmos, mesmo intimamente, em nossas justificativas interiores, não economizamos elogios; por que não elogiar os personagens? Por que não dar razão a eles com a mesma obsessão e teimosia com que damos a nós próprios? Por que não defender apaixonadamente seus pontos de vista, seus sonhos, seus desejos insanos e seus indeletáveis e inegociáveis defeitos?

Acredito que só mostrando personagens tão tridimensionais e transcendentes como nós mesmos é que podemos alcançar aquilo que se convém dizer "naturalismo". Mas para mostrar alguma coisa é preciso primeiro que ela exista - de preferência inteira e plenamente. Depois, quem sabe, podemos olhar pra trás para dizer: "Que monstro que eu criei!". Mas para isso é preciso COMETER monstruosidades: pecar, equivocar-se, padecer e se danar como AÇÃO DRAMÁTICA. Não é essa a grande graça e delícia de ser um hypocrita, um ator? "É preciso marcar a intimidade", mas como? Com frieza e distância? Com lupas de laboratório?

"Para o ator, doar-se é tudo. E para doar-se, é preciso antes possuir-se.", aprendemos tb na leitura excelente que fizemos deste texto de Jacques Copeau.

Espero que os atores que encararam esse desafio, LITERALMENTE, se desarmem. A arrogância típica de nossa raça naturalmente predisposta a canastrice - que é a de julgar o mundo inteiro - já não nos basta. O texto de Pedro é só um pedaço de papel inútil e sem chance de defesa quanto às nossas críticas e moralismos cafonas ou modernosos. Mas este mesmo texto deixa de ser inútil e passa a ser vivo quando estamos na posição de encará-lo como se encara um inimigo longamente esperado. Um inimigo feito de sangue, ossos, nervos e pele eriçada. Um inimigo perigoso e mortal. Um inimigo do qual não devemos escapar pois a recompensa da nossa vitória nesse combate é a verdade no palco. No mínimo, algo que chegue perto disso.
Enviar para o Twitter

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Esse espaço é seu!